segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Perdendo o time

Gosto de criar histórias na minha mente.
Construo o enredo do amor perfeito como se o amor ainda existisse. Aquele amor que arde e as vezes dói. Que tem cheiro, que tem vida. Aquele amor que queima muito e portanto queima rápido, mas que antes que se acabe acontece algum rompimento que faz arder mais, que faz não se acabar.

Crio com tanta fidelidade, que começo a acreditar no que criei.
Crio um beijo na adolescência seguido por uma paixão e uma desilusão. E que depois disso passa mais de uma década construindo um amor impossível na cabeça. E desse amor não consigo me desfazer. Dentro de mim é real e a projeção que faço todos os dias de você é real.
A adolescente se torna mulher, conhece outros mundos e carrega aquele gosto do beijo e do namorico às escondidas. Minha personalidade se formou com a marca da desilusão e a esperança do reencontro. Embora já não pense tanto, quando penso crio memórias do que não aconteceu, que se sobrepõem, se confundem até que não sei mais o que é passado ou presente, real ou imaginário.
Crio um ser amado que tem um jeito de falar, um gosto musical, um ritmo.
O ser criado se torna forte e fonte de novos desejos. Ela já acredita tanto no que criou, que não pode mais olhar para o real. É como se uma corda a puxasse para aquele ser amado imaginado idealizado.

Ele não sabe. Nunca soube dos suspiros noturnos, das lágrimas e da desesperança. Das vezes que ela passou no ônibus na frente da sua casa com a expectativa intensa de vê-lo sair pela porta com seu boné claro e suas roupas largas. Nunca vai saber das vezes que apareceu nos seus planos e sonhos. 
Não sabe nem vai saber porque não é ele, é a projeção de tudo que quis um dia colada no real-imaginário.

Se encontraram depois de exatos 20 anos. Até pouco tempo atrás lembrava a data do seu aniversário, pensava nele sempre. Não acreditou quando puxou o assunto e percebeu a riqueza de detalhes da memória que ele tinha daqueles beijos adolescentes. O gosto, o ritmo, a textura, seu cheiro. Nada mudou. Por que não deu certo? Que conversa mais maluca. Uma declaração de amor com 20 anos de atraso dá margem para muitas interpretações. Mas o nada mudar traz em si um dilema grave: dá a impressão de que é possível reviver o que deixamos passar por descuido, mas ao mesmo tempo traz uma imaturidade que não nos cabe mais.
Não seguimos. A vida não contempla mais um amor adolescente, se não algo que tenha raízes firmes e copa frondosa.

O que me resta é continuar a desejar o ser inventado com a consciência de que não podemos viver o que passou. Acordei no outro dia escutando as músicas que você me apresentou, que escutávamos juntos. Quem será você agora? Será que eu sou capaz de te ver com suas dimensões ou só capto a superficialidade que minha mente consegue alcançar?

O que você faria naquela noite?

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