sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
Os ratos de Schreber
Duas noites em que nem o gole nem o trago são capazes de combater a insônia.
O pensamento longe, a centenas de quilômetros, carregando uma saudade murchinha e tristonha do que poderia nunca ter acontecido. Os olhos pidões por um pouco de lembrança, uma ligação, uma visita, algo que retome o que foi deixado bem na metade.
Duas noites, daquelas em que os sonhos despertam atordoados, suam um frio na espinha e calafriam o medo do que pode ser a partir de então.
A conclusão de que o mais profundo que algo pode alcançar em nós são os sonhos. A imagem rasteja atingindo nossas memórias, mas quando chega até os sonhos é sinal de que a coisa foi mais longe do que deveria. Entrou em linha de guerra das nossas escolhas contra nossas vontades. É muita milícia, muita força que puxa de um lado para o outro. E só depois de noites em meio às doses e lágrimas nosso pensamento consegue arrumar um canto embalsamado para guardar a lembrança dolorosa.
Nunca deixa de doer e nunca deixa de lembrar, mas com o tempo catatoniza, embebe as sensações em sedação e indiferença. Enquanto esse momento de neutralidade não chega a gente sofre, chora, cansa e sonha... Deixa tudo abalar e ser abalado como se a angústia não fosse ter um fim, como se tudo fosse um pouco mais do mesmo de sempre. E o tempo, que deveria ser o remédio, torna-se o veneno que afasta a lembrança do que é real.
Tranca a porta e a janela pra não entrar mais medo, mas ele passa por qualquer fresta, invade e aspira as energias, deixa tudo fraco na manhã seguinte: as pernas, os olhos o conhaque, o cigarros. Ameaça entregar suas olheiras nas mãos do inimigo, escancarar.
É um alívio quando nada faz sentido, porque a lógica é a angústia que traz medo. Enquanto os ratos estão aqui, meu cansaço sede lugar a um pesadelo que deforma o dia todo.
Parece que nunca tem fim.
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Ah, essa angústia te enobreceu neste texto, com uma sutil beleza com a mistura entre angústias e caos emocional me fizeram lembrar de momentos parecidos quanto aos que vc descreveu. No final cairam algumas lagrimas de emoção por ter lido.
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura! Fico feliz de conseguir comover pessoas em tempos de tanta robotização! Acho que esse é um dos meus mais queridos textos! =]
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