Venadito, por Frida Kahlo
Um pedido doce da menina bela
Saia rodada na altura da canela
Pede a palavra e com a voz delicadinha
Confessa, aos poucos perdendo a linha:
Imersa em meus próprios dilemas
Pego o ônibus pra minha casa
Um senhor com pesadas maletas
Recusa minha ajuda e passa uma cantada
Maldito senhor de idade avançada
Ofereço minha força na sua empreitada
E em troca recebo olhares sacanas
E esse papo de solidão há semanas.
Entro quetinha, mudo de rumo
Sento-me ao lado de um garoto mudo
Suspiro aliviada por tê-lo despistado
Mas logo ao lado outro velho tarado.
Outros homens à frente não param de olhar
Enfio-me num livro para disfarçar
Mas claro que percebo o terrível movimento
Daqueles sorrisos e olhares nojentos.
Em minha mente já monto uma cena
Qualquer surpresa é só reagir
Mas algo acontece sem que eu perceba
Eu era a única fêmea ali.
Cercada de feras prontas ao bote
Tremo na base, quero sair
Minha casa está longe devo ser forte
Mantenho a pose: nem posso sorrir.
Durante o caminho vou esgotando
O medo domina! O que pode ocorrer?
Imagino minha mãe em minha mão segurando:
-Tenha calma minha filha, se não vai fuder!
Na TV vejo estupro seguido de morte
No jornal todo dia uma mulher espancada
Me sinto uma vaca feita pra corte
E a lei é comédia, para dar risada
Meu estômago entra em um embrulho amargo
De folhas de livro com gosto de Kahlo
Puxo a cordinha, desejo sumir
Os machos se mexem, mas me deixam partir
Tem gente lá fora fazendo piada
Enquanto aqui dentro o medo domina
Mulher que é mulher sofre calada
E se torna Amélia desde menina.
Cada vez que a mulher perde a liberdade
Morre um pouco sua feminilidade
Ou aquele catarro travado na garganta
Escarra na sua cara e a cabeça levanta
O vestido a impede mover-se mais livre
Se quer refrescar, tome um banho gelado!
Quando a dama que é decide que vive
É ela quem colhe os frutos amargos
É numa dessas que eu perco a razão
Porque desde jovem decidi ir à luta
Toda mulher tem em si um vulcão
Mas nem todas nós desejamos ser puta!
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