domingo, 30 de agosto de 2020

Diário de Quarentena #15 - O medo do mar

Semanas antes da minha mudança para Angra dos Reis em 2020, convidei um velho amigo para comer pizza numa padaria e nos despedirmos. De todos os sentimentos que estavam me permeando naqueles dias, lembro de uma reação que nunca tinha tido: comecei a chorar e dar risada ao mesmo tempo. Repetia: eu tenho medo do mar e da Polícia e estou me mudando para Angra mas estou feliz. Ele me acalmou com seus olhos grandes e a voz calma. Eu sabia que seria um desafio.

Há 7 meses estou aqui, morei um mês em um hostel, dividindo quarto com as pessoas mais esquisitas e diferentes: um argentino mentiroso, um vendedor de drogas lituano (lá isso não é um crime), um paulistano em busca de aventuras, uma família que não conversava com ninguém. Minha casa era uma mochila em cima da cama e algumas coisas na geladeira. Queria ter uma casa e meu dinheiro estava acabando, mas daí veio o primeiro balde de água fria: a cidade é perigosa e você tem que saber exatamente onde está andando. Aluguei uma casa num bairro que disseram ser tranquilo. Há 6 meses estou trancada em casa por conta da pandemia. Não consegui fazer amigos a não ser o pessoal do trabalho. Minha casa tem ampla vista pro mar, fica no alto de um morro, num bairro de policiais.

Essa noite teve um tiroteio bravo num bairro aqui perto de casa.. de madrugada eu acordei várias vezes com som de disparo, muitas vezes parecia de metralhadora, sei lá, vários tiros seguidos, rápidos. Foram várias horas.. seguido dos tiros sempre tinha barulho de moto acelerando, toda vez. Lá pelas 2h da manhã chegou a galera do bairro possivelmente doida de cocaína fazendo arruaça e gritando na rua, acelerando carro e moto... Durou pouco, antes das 3h já tinham parado ou ido embora. 

Nas primeiras vezes me apavorei, mas depois de um tempo restou só a angústia de saber o quanto isso é comum. Aqui a referência de bairro bom é aquele que não tem tiroteio, só isso. Tem uns 3 na cidade e eu moro num deles.

Sinto falta daquela impressão de que o medo do mar e da polícia (que para mim era a imagem vascaína de SP) fossem meus maiores desafios aqui. Sinto falta de ser um pouco aquela moça que chorava e sorria ao mesmo tempo na pizzaria.

Não enfrentei tanto o mar quanto gostaria, mas percebo hoje o quanto esse medo me é querido. Aqui o buraco é mais embaixo. Eu não conhecia tão bem barulho de tiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog