sábado, 1 de junho de 2019

Sou ouvidora de historias

Todo os dias levanto cedo, coloco a melhor roupa lavada, penteio o cabelo, pão, manteiga, café.
Passo meia hora no trânsito, estaciono.
Ajeito a gola da blusa, sento numa cadeira qualquer que pareça confortável.
Fico ali: ouvidos e olhos abertos. De tudo já escutei. Desejos da carne, de vingança, de emprego, de morte. Cada desejo vem com o peso do ser desejante.
Escuto histórias de amor, de mães que não conseguem deixar os filhos crescerem, de filhos que não querem deixar as mães voarem. De pais que abusaram de suas filhas, maridos que quebraram o coração de suas amadas.
Escuto histórias de todos os tipos. Felizes, tristes, desesperadas. Amores não correspondidos ou correspondidos até demais. Pessoas que perderam-se no sentido da vida, vozes que não querem calar. Gente que conta a vida toda, gente que perde o fio da meada, gente que prefere estar sozinha, gente que já não prefere nada.
Oito horas por dia escutando segredos de estado, de vários estados, de muitos estágios da dor e do luto. E por falar em dor, não sou de ferro: dói em mim também. Tenho desejos da carne, de vingança, de emprego, de morte. Quando me toca, toca profundo, quase não seguro o choro. Engulo seco enquanto a mãe segura minha mão, com olhos secos, já sem lágrimas para chorar, pedindo proteção para suas filhas de um pai assassino. O choro se vai, mas as histórias ficam tatuadas em minha memória, em minha pele. Quanta dor vejo nos olhos que vejo todos os dias.
Tem momentos em que só quero que todos parem de chorar tanto e passem a viver e conviver com suas dificuldades. Tem outros que não consigo me conformar com o quão forte são todos aqueles ali. Passam por tudo aquilo e ainda buscam motivos para sorrir. Eu no mesmo lugar não suportaria o primeiro golpe de vento.
Escuto histórias, mas não protagonizo minha própria. Quando eu for morrer vou ver um filme passando sobre meus olhos, mas serei sempre coadjuvante.
É hora de implodir.

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