quarta-feira, 2 de maio de 2018

Avenida Rio Branco com o Largo do Paysandú

Era meia noite quando se ouviu o primeiro estouro
A gritaria começou: Fogo, fogo, fogo!
Alastrando o desespero
Alarmando o meu descanso
Era primeiro de maio.

Dona Chiquinha desceu correndo, bateu na porta tava tremendo
Chamou Justino, que era pedreiro e descansava de um dia inteiro
Justino então, com mar nos olhos, mirou a lua silenciosa
Botou na mala as calças velhas, os retratinhos e a viola.

No quarto andar eram marreteiros, haitianos e ambulantes
Naquela noite fizeram festa comemorando o mês passado
Quem dera não tivessem bebido e nem dormido um tempo antes
Mesmo acordando não conseguiram sair da cama cambaleantes

Zé do Chinelo que não se abala cerrou os punhos, socou a porta
Saiu gritando: nunca devia ter vindo embora da minha roça
Na correria esqueceu a guia que sempre tinha fechando as costas
Pegou os filhos de Marilinda que então dormiam de boca aberta

E Marilinda tava lá embaixo e trabalhava quando escutou
O choro histérico de outra puta que nem fazia parte da luta

Correu pra buscar Carol e Edgar
E o envelope com o telefone de quem
Podia ajudar, teria um lar
Mas quando chegou, o prédio desabou
Fumaça e calor, gritos de dor
Helicópteros, repórteres, polícia
Bombeiros, resgate, gente a passar
Não dava mais pra entrar.

Jorginho que estava bêbado
Sentou do outro lado com medo
Não pode entender
Não conseguiu crer

Alguém rogou uma praga
Disseram que mereceram
Os bombeiros fizeram aviso no mês passado

E na Avenida Rio Branco ficou um povo ali parado
Uns estavam olhando, outros chorando e outros desmaiados
Crianças previam a dor e a saudade que aquilo traria
Era uma ocupação, uma luta por moradia.

Pessoas com sonhos, crianças com fome, desamparo social
Tudo isso no Largo do Paysandu, no centro comercial
Sub-empregados, subalternos, submetidos às sublimações do mercado
Agora corpos a menos com que deve se preocupar o estado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog