Tudo começou quando eu conheci ele. Ah ele é lindo, tinha um sorriso branco, olhos marcantes. Doce, todo doce. E eu, tão acostumada a resistir, mesmo que quisesse levantava a cabeça, me fazia de difícil. Foi assim que aprendi em casa: a resistir. Mas ele? Ah ele não. A ele eu não resisto. Me derreto!
Não resisto!
Não resisto.
Não... Resisto...
Resisto.
Resisto.
Resisto.
Até que.. Eu não existo.
Eu não existo.
Foi assim que me disseram pra ser. Não existir por mim, mas por ele. Minha mãe com minhas tias dizem para eu reagir de acordo com as ações dele:
Se ele faz carinho eu faço carinho.
Se ele é rude, eu sou rude.
Se ele me trai, eu fecho a cara e faço bico para ele se arrepender.
O quê? Não, imagina. Eu jamais trairia ele. Puff! Isso nem passou pela minha cabeça. Um absurdo.
Agora ele dorme mais... E ronca. Quando ele ronca eu não durmo: levanto de manhã com o olho fundo, o rosto branco.
Um dia eu acordei com vontade de existir. Quero estudar, trabalhar, tomar uma cerveja. Ah não, imagine, ele jamais aceitaria tomar uma cerveja comigo.
Quero existir.
Quero existir.
Ele adormece e ronca.
Quero... Desistir.
Desistir.
Desisto.
Dormi.
Umas duas semanas depois acordo com vontade de existir de novo. Mas agora mais forte: o Sol me chama, abro a janela. Estive o dia todo pensando em como existir. Ao lado dele eu não ando para trás, mas não ando para frente na existência do meu desejo. Minha família me fala para servi-lo, mantê-lo saudável, bem alimentado, feliz. É tudo ele. Sem ele eu dou um passo.
Ele adormece. Ele ronca. Tudo começa a fazer sentido.
Eu não existo.
Eu resisto.
Eu não resisto.
Eu existo.
Eu não desisto.
Eu insisto.
Eu cuspo no seu copo d'água na cabeceira da cama.
Num movimento sintonizado com seu roncado, a faca entra.
...
Ele não sentiu nada!
...
O que eu fiz?
Era só ele, depois dele todos eram mais dele. Ele estava em todos, todos estavam nele, em todos os cantos.
Eu resisto, não existo.
Me excito, insisto, não desisto.
Eu existo.
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