Afastou-se
de muitas pessoas com quem tinha alguma proximidade, dizia verdades
que todos viam claramente ser fantasia, coisa da sua cabeça.
Logo
começou a não sair tanto de casa. Quando saía, voltava rápido.
Falava sempre de alguém maquiavélico que
a olhava na rua, falava das pessoas que se afastaram dela sem por
que, mas que nas horas vagas juntavam-se na sala para rir de seus
deslizes. Quando, às vezes, convencia-se de que a sala de casa podia
ser um local não tão agressivo, logo vinha com outra história
sobre como suas sensações eram tão reais e como todos a odiavam e
não queriam esconder. Os olhares, a indiferença, tudo visto de
longe, intenso. Era quase sempre ignorada. Se não o era, sabia que
os sorrisos e palavras eram falsos, aquilo só piorava, mas ela era
forte!
Os
bandidos à noite a perseguiam, queriam sua bolsa, sua carteira, seu
corpo. Na escola havia perdido os melhores amigos por nada, por ser
muito ela. Ela sentia que havia feito algo que ainda não havia
descoberto, e era daí que vinham os olhares, o ódio.
Começou
a gostar de ficar sozinha. Seu quarto, seus livros, seu computador.
Um antro de impossibilidades! E novamente, quando tentava sair para a
vida social, algo a fazia perder a cabeça novamente, mostrava as tão
reais amarras. De dentro do quarto fechado, úmido, escuro, ouvia os
comentários do lado de fora, as palavras proferidas, não em vão,
que faziam minar lágrimas de seus olhos. A partir de agora só
sairia dali quando não houvesse mais ninguém em casa. Se
perguntassem se está tudo bem, está! Ela nunca daria a glória para
seus inimigos de vê-la sofrer.
Havia
uma pessoa em especial que a queria machucar, mas ninguém via.
"Isso
é coisa da sua cabeça! Você está ficando maluca!"
"Imagina,
deve ser sem perceber que ela faz isso, uma menina tão boa!"
“Ah,
ela fala bem de você sempre, acho que você está sendo muito dura
com ela!”
E
fala, fala mesmo, mas é para disfarçar a real intenção de fazer
mal. Ninguém ouvia: aos poucos se convenceram de que o problema
estava dentro dela. Todos os bandidos e conspirações, tudo. Nada
era real.
Não
sobreviveria se continuasse daquele jeito. Chamaram alguns homens
fortes, vestidos de branco. Enfiaram-na em uma ambulância e a
sedaram. As paredes eram brancas, a comida era pastosa, não havia
garfos e facas, em vez disso, apenas colheres. Os comprimidos
deixavam um gosto ruim na boca e um cheiro forte na urina. Viram
melhora: depois de três meses ela não falava mais de falsidade, nem
de perseguição, nem de nada, não abria a boca a não ser para
pedir comida. Soltaram-na na rua: “Agora você está livre! Tenha
uma boa nova vida!”
Até
que então houve o terceiro ataque (este foi quase certeiro)!
Atravessando
a rua com sua postura nada ereta, escondendo o peito como quem
esconde uma pepita de ouro, olhou para ambos os lados. O carro não
estava ali, mas infelizmente já era tarde demais e ela não pode
fazer nada além de olhar quem estava no volante e gritar um grito
sufocado: EU SABIA!
Escuridão.
Ouve
ao fundo um choro e algumas vozes. Aos poucos vai voltando, abrindo
os olhos e uma luz forte, muito forte, invade sua consciência.
Todos
aplaudem: "Ela acordou! Ela acordou!" - grita um homem de
branco ao seu lado.
Pessoas
desconhecidas, apenas os jalecos brancos a fazem crer que havia
sobrevivido.
"Olá,
você está em um hospital, sofreu um acidente de trânsito.
Infelizmente o motorista fugiu, mas uma ambulância estava por perto
e pode trazê-la a tempo. Você sabe seu nome?"
Mal
conseguia enxergar, quanto mais prestar atenção e lembrar-se de
quem era. Sentiu que havia perdido essa informação dentro de si há
anos.
Olhou
para a porta e ali estava ela! Em meio à confusão e outros
acidentados, a agressora com um sorriso no rosto a encarando, dizendo
algo.
Desesperada
ela tenta avisar que ali estava sua assassina, a destruidora de
tranquilidades, aquela que ninguém acreditava, a que a queria morta.
Sua
boca não respondia bem devido ao traumatismo craniano no meio fio.
Das três quicadas da cabeça, a segunda foi a pior, a tal.
“Está
nervosa ainda. Dá-lhe um calmante para apagar e quando acordar
estará mais calma!”
“Fica
quieta! Pára com esse braço se não eu te machuco!”
“Ritmo
cardíaco diminuindo. Ok, passou do limite! Parada cardíaca! Todos preparando o desfibrilador
em potência máxima!”
“1...2...3...
AFASTA!”
Este
sim! Certeiro, bem no alvo: um coração que mais parecia ter voltado
de um campo de concentração.
E
pronto, todos os males se afastaram. Agora ninguém mais a
perseguirá.
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