quarta-feira, 10 de abril de 2013

No final, tudo fica sempre bem.


No começo eram coisas pequenas. A mania de olhar para os lados e ver todos que estavam à sua volta. Com o tempo foi cacundando a cacunda e logo seus olhos passaram a demonstrar certo desespero.
Afastou-se de muitas pessoas com quem tinha alguma proximidade, dizia verdades que todos viam claramente ser fantasia, coisa da sua cabeça.

Logo começou a não sair tanto de casa. Quando saía, voltava rápido. Falava sempre de alguém maquiavélico que a olhava na rua, falava das pessoas que se afastaram dela sem por que, mas que nas horas vagas juntavam-se na sala para rir de seus deslizes. Quando, às vezes, convencia-se de que a sala de casa podia ser um local não tão agressivo, logo vinha com outra história sobre como suas sensações eram tão reais e como todos a odiavam e não queriam esconder. Os olhares, a indiferença, tudo visto de longe, intenso. Era quase sempre ignorada. Se não o era, sabia que os sorrisos e palavras eram falsos, aquilo só piorava, mas ela era forte!
Os bandidos à noite a perseguiam, queriam sua bolsa, sua carteira, seu corpo. Na escola havia perdido os melhores amigos por nada, por ser muito ela. Ela sentia que havia feito algo que ainda não havia descoberto, e era daí que vinham os olhares, o ódio.

Começou a gostar de ficar sozinha. Seu quarto, seus livros, seu computador. Um antro de impossibilidades! E novamente, quando tentava sair para a vida social, algo a fazia perder a cabeça novamente, mostrava as tão reais amarras. De dentro do quarto fechado, úmido, escuro, ouvia os comentários do lado de fora, as palavras proferidas, não em vão, que faziam minar lágrimas de seus olhos. A partir de agora só sairia dali quando não houvesse mais ninguém em casa. Se perguntassem se está tudo bem, está! Ela nunca daria a glória para seus inimigos de vê-la sofrer.

Havia uma pessoa em especial que a queria machucar, mas ninguém via.
"Isso é coisa da sua cabeça! Você está ficando maluca!"
"Imagina, deve ser sem perceber que ela faz isso, uma menina tão boa!"
Ah, ela fala bem de você sempre, acho que você está sendo muito dura com ela!
E fala, fala mesmo, mas é para disfarçar a real intenção de fazer mal. Ninguém ouvia: aos poucos se convenceram de que o problema estava dentro dela. Todos os bandidos e conspirações, tudo. Nada era real.

Não sobreviveria se continuasse daquele jeito. Chamaram alguns homens fortes, vestidos de branco. Enfiaram-na em uma ambulância e a sedaram. As paredes eram brancas, a comida era pastosa, não havia garfos e facas, em vez disso, apenas colheres. Os comprimidos deixavam um gosto ruim na boca e um cheiro forte na urina. Viram melhora: depois de três meses ela não falava mais de falsidade, nem de perseguição, nem de nada, não abria a boca a não ser para pedir comida. Soltaram-na na rua: “Agora você está livre! Tenha uma boa nova vida!

Até que então houve o terceiro ataque (este foi quase certeiro)!
Atravessando a rua com sua postura nada ereta, escondendo o peito como quem esconde uma pepita de ouro, olhou para ambos os lados. O carro não estava ali, mas infelizmente já era tarde demais e ela não pode fazer nada além de olhar quem estava no volante e gritar um grito sufocado: EU SABIA!
Escuridão.

Ouve ao fundo um choro e algumas vozes. Aos poucos vai voltando, abrindo os olhos e uma luz forte, muito forte, invade sua consciência.
Todos aplaudem: "Ela acordou! Ela acordou!" - grita um homem de branco ao seu lado.

Pessoas desconhecidas, apenas os jalecos brancos a fazem crer que havia sobrevivido.
"Olá, você está em um hospital, sofreu um acidente de trânsito. Infelizmente o motorista fugiu, mas uma ambulância estava por perto e pode trazê-la a tempo. Você sabe seu nome?"
Mal conseguia enxergar, quanto mais prestar atenção e lembrar-se de quem era. Sentiu que havia perdido essa informação dentro de si há anos.

Olhou para a porta e ali estava ela! Em meio à confusão e outros acidentados, a agressora com um sorriso no rosto a encarando, dizendo algo.
Desesperada ela tenta avisar que ali estava sua assassina, a destruidora de tranquilidades, aquela que ninguém acreditava, a que a queria morta.
Sua boca não respondia bem devido ao traumatismo craniano no meio fio. Das três quicadas da cabeça, a segunda foi a pior, a tal.

Está nervosa ainda. Dá-lhe um calmante para apagar e quando acordar estará mais calma!
Fica quieta! Pára com esse braço se não eu te machuco!
Ritmo cardíaco diminuindo. Ok, passou do limite! Parada cardíaca! Todos preparando o desfibrilador em potência máxima!
1...2...3... AFASTA!
Este sim! Certeiro, bem no alvo: um coração que mais parecia ter voltado de um campo de concentração.

E pronto, todos os males se afastaram. Agora ninguém mais a perseguirá.

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