terça-feira, 7 de abril de 2020

Diário de quarentena #1

Hoje não é o primeiro dia de quarentena na cidade onde vivo. É o décimo quinto ou vigésimo. É só que hoje resolvi escrever. Também não sei se isso será um diário, nem sei se escreverei de novo sobre este tema. É só mais um dia de escrita.

Trabalho na saúde pública, então não estou participando do isolamento da forma que os outros cidadãos estão. Pelo contrário, sou obrigada a sair de casa e cada vez mais o governo mostra os dentes para que a gente esteja muito ativo neste momento. Há 2 meses assumi esse cargo público e comecei a trabalhar para o município de Angra dos Reis. Tive a sorte de escolher trabalhar onde nenhum outro Psicólogo desejava: na Saúde Mental, mais especificamente em um CAPS II. É um serviço público que acolhe pessoas com transtornos mentais graves, aqueles que ninguém sabe o que fazer. Em tese o CAPS é um espaço para que essas pessoas sejam reinseridas e aceitas na sociedade, não tratados em busca de uma cura ou adaptar-se ao "normal". Amo meu trabalho, embora seja desafiante.

Digo que tive a sorte porque os outros psicólogos que entraram comigo decidiram ir trabalhar em ambulatórios, atendendo os casos mais leves em um modelo que é mais próximo de um consultório particular de Psicologia. Essa galera toda está desesperada porque esses ambulatórios ficam dentro de unidades de saúde, lugar para onde as pessoas com sintomas de COVID-19 vão procurar atendimento. Estão desesperados porque estão em risco e não têm preparo ou respaldo para estar lá. Então eu tive sorte, porque só preciso lidar com a questão emocional que tudo isso está gerando nas pessoas, me colocando menos em risco. Além disso a maior parte das atividades do CAPS são coletivas e, por gerarem aglomeração de pessoas, foram suspensas por decreto estadual. Estamos atendendo muito pouco.

Alguns usuários estão desenvolvendo sintomas de persecutoriedade, ansiedade e compulsão. Vejo cada vez mais que o CAPS, para eles, é uma referência de acolhimento e cuidado. Apesar de não estarem acontecendo as oficinas terapêuticas, quando sentem algum tipo de angústia mais intensa correm para lá. A equipe parece saber a hora de acolher e a hora de colocar limites, tanto para os usuários quanto entre os funcionários. Não são mil maravilhas e trocam umas farpas aqui e ali, mas não deixa de ser um ambiente de muito aprendizado coletivo.

Hoje me apresentei. Os próximo dias deste diário serão apenas textos soltos, contando sobre minhas experiências e sensações sobre a quarentena.

Hoje é 07/04/2020, mas esse texto foi escrito ontem.

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