sexta-feira, 13 de junho de 2014

Adélia




Adélia tinha pernas compridas e braços curtos. Seus olhos eram grandes, assim como seu maxilar. Quando entrava em algum lugar, quem chegava primeiro era o nariz e o rosto, depois os quadris e por fim o peito e as costas. Uma adolescente.
Andava sorrindo e falando alto, sempre entre muitos amigos e amigas. Todos os dias escrevia cartinhas para todos, fazia questão de mostrar quanto os amava. Se alguém a chateava, rompia a amizade por alguns dias, mas logo a saudade batia e tudo voltava ao normal.
Todas as tardes tomava chá e comia bolachas com alguns colegas da rua onde morava. Contava sobre seu dia, sobre os meninos e meninas que gostava ou desgostava e dançava as músicas da moda. Às vezes, quando ouvia um não, falava também do quanto sua mãe e seu pai eram cruéis.

A vida foi passando. Um dia, o rosto de Adélia amanheceu sem espinhas. Ao olhar-se no espelho, seu ombro, já não tão curvado, sustentava um par de pequenos seios. Os braços aumentaram, tornando as medidas mais próximas do que se considera proporcional. As pernas magrelas agora eram fortes e a panturrilha era duas do que fora no dia anterior.
Naquele dia, Adélia não precisava mais ir à escola aprender, deveria fazer algo que partisse de si própria, iniciar algo que já não estivesse iniciado. Não sabia por onde começar, então resolveu abrir os grandes olhos que permaneceram fechados enquanto era criança demais para ver as realidades. Olhou para os lados e descobriu muito mais caminhos do que imaginara um dia existir. Mal podia escolher.

Depois de alguma observação, Adélia escolheu um caminho de floresta, com muitas coisas as quais gostaria de conhecer. Seguiu em frente em uma mata fechada com muitas curiosidades. A cada folhagem que abria, descobria algo novo e algo a ser mudado nela e no mundo. Por um riacho que passou, tirou uma pedra do bolso e a colocou em meio à água, mudando seu percurso. Ficou ali observando com atentos olhos cor de mel, até que a pedra rolou e a água voltou a seu curso inicial. Viu uma árvore carregada de frutas que saciariam sua fome e tentou chegar até lá. Pendurou-se em alguns cipós, que logo partiram e a jogaram ao chão. Faminta e cansada, não tinha mais vontade para trilhar este caminho, nada do que queria conseguia, tudo era barrado. Escolheu outra saída, deixando apenas pegadas.

Sua segunda escolha foi uma terra de clima desértico. O calor era imenso e seus pés descalços não aguentavam ali andar. Pegou um punhado de mato seco e palha, amarrou nos pés e continuou a caminhar. Logo veio uma tempestade de areia e a jogou ao chão, escapulindo seus novos sapatos dos pés e deixando-a novamente com bolhas até que se formassem calos em seus pés. Depois de muito caminhar, encontrou uma sombra de árvore. Em sua ânsia de descobrir o mundo, arrancou a árvore e resolveu levá-la consigo na caminhada, para aproveitar sua sombra. Mal sabia a probrezinha que a árvore não sobreviveria sem suas raízes e no escaldante Sol acabou por abandonar o vegetal. Ardendo e calejada, não tinha mais vontade para trilhar este caminho, nada do que queria conseguia, tudo era barrado. Escolheu outra saída, deixando apenas pegadas.
 
A última alternativa era um caminho muito claro de onde vinha uma forte luz. Luz ofuscante, que a impedia de ver com clareza. Via pessoas sentadas e imersas em si, esforçava-se a animá-las e elas sequer interagiam com Adélia. Tentava colorir alguns sorrisos, mas as pessoas pareciam estátuas cinzentas e lodosas. Sentadas em mesas com milhares de papeis à frente, aqueles seres não tinham expressão nas caras amarelas e enrugadas. Adélia não suportou. Solitária e com tosse, não tinha mais vontade para trilhar este caminho, nada do que queria conseguia, tudo era barrado. Escolheu outra saída, deixando apenas pegadas.

Seu estômago reclamava, as pernas já não respondiam, sua pele, que antes parecia a de um bebê, agora descascava, seus pés estavam mais ásperos e rústicos do que nunca, andava sozinha e adoecida. 
Ouviu uma voz dentro de sua cabeça dizendo: Bem vinda ao mundo dos adultos, Adélia.

Tentou voltar ao momento quando os braços ainda não tinham expressão e o ombro era encolhido. Ficou um dia inteiro em posição fetal, mas nada do tempo voltar. Percebeu que qualquer caminho que escolhesse haveria de ser difícil. Que para tudo o que fizesse, sempre algo a barraria e atrasaria.

Com os olhos ao chão, Adélia não podia ver o que vinha pela frente, apenas aceitava o que chegava até ela. Um dia Adélia sumiu.

Descobriram-na fora do mapa. Havia trilhado seu próprio caminho, onde as barreiras não a fizeram desistir.

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