Mudaria em tudo: levaria o cachorro pra passear, limparia atrás da geladeira, tiraria o pó das plantas, terminaria sua luminária de caixinha de leite. Até escovar os dentes todas as noite ela escovaria, inclusive usaria fio dental de vez em quando, só pra poder ficar por perto. Aquelas roupas novas e intocadas no guarda-roupa iriam para o seu corpo ou para doação, finalmente. Ela pensou em reservar uma gaveta caso quisesse ficar um dia desses. Mas sempre não.
Fez tudo certinho, tirou a sobrancelha com uma lupa, arrumou bem a gola do vestido, usou seu mais caro batom. E o perfume? Só não era mais doce por falta de açúcar no mundo: aguçava as papilas infantis de seu romance. Arrumou a cama, deixou um incenso aceso antes de sair: queria que ficasse. Recebeu uma mensagem no celular anunciando a chegada do vício.
Avistou ao longe o carro, colocou uma bala na boca, ajeitou a alça da bolsa, equilibrou-se com dificuldade num salto bem alto. Com a mão, firmou o seio no sutiã, tentou fazer cara de mulher fatal, tentou. Fechou o portão e pediu: destrave a porta, por favor? Os lábios encarnados brilhavam um riso nítido para a lua cheia. Não novamente?
Entre sorrisos e goles a mais, só importava a cor dos seus olhos, o branco dos dentes, as mãos como se moviam, os cabelos macios, os beijos! Beijos, beijos, beijos. Sorrisos beijos e goles beijos. Da mesa pro carro, do carro pra cama, pro cheiro do incenso, do perfume, da bala na boca, do beijo na boca, na nuca, na barriga, no corpo. Não há do quê ter medo, é sexta-feira. A chuva que poderia eternizar aquela canção havia parado. E agora?
- Preciso te confessar uma coisa! Não quero que fique chateada comigo!
É essa a hora que se diz que vai embora. Dessa vez não volta mais, certamente.
- Fale, não ficarei chateada. - No fundo a imagem nos olhos já tremelicava.
- Eu preciso ir, mas...
- Tudo bem, não precisa justificar eu abro a porta para você... Cadê minha roupa? Eu sempre... - calou-se em um tocar quase mudo de lábios.
- Eu vou até a cozinha pegar um pouco de água, vou voltar. Pedi para não ficar chateada com minha alergia a incensos.
E um sorriso consumou o romance fugaz.
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