segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Naquele momento eu só quis correr. Correr quilometros, esquecer de tudo. Esquecer que tudo isso está voltando e abrindo uma imensidão em meu peito.
Corri, fugi de não sei o quê e cheguei a lugar algum. Minha respiração está ofegante ainda.
Eu não deveria ter deixado tudo como estava, não deveria ter desligado o telefone e trancado as portas, deveria ter escutado. Ou não?
O suor escorre pelo meu rosto e em minhas costas sinto como um vento gelado, uma presença sublime de alguém que não sei bem quem é. Minhas roupas estão sujas, eu estou suja. Não me recordo quando foi a última vez que sorri de verdade, sem me preocupar com o que viria após. Lágrimas caem incessantemente e eu não consigo parar de olhar para os lados, como se esperasse algo acontecer. Nada acontece.

É lógico que foi mais fácil fugir de tudo aquilo, tentar esquecer. Mas eu sinto que agora perdi pelo menos metade da lição, não aprendi se não a correr bem rápido e me acostumei com o gosto do suor e das lágrimas.

Como posso estar perdendo o controle novamente? Acendo um cigarro com certa dificuldade. O que é isso? Eu parei de fumar há quase 2 anos, porque tenho esse cigarro na bolsa? Será verdade que o diabo arma contra nós?

Fecho os olhos e tento não ver nada, mas ainda vejo um olhar triste, parece uma criança abandonada a quem acaba de ser rejeitado um prato de comida...E a criança tem os olhos vermelhos, tristes, inocentes...Nada nela parece esperar pelo pior. Nada nela parece esperar por algo... Apenas olha. Vai ver aquela criança era eu, correndo, suada, chorando, cansada e suja... Esperando alguma esmola de sentimento, algum prato de amor, um copo de compaixão.

Eu estou escondida aqui porque sempre me fiz forte, se alguém me visse assim teria medo... Medo da gravidade do problema, que nem é tão grave assim. Mais um trago no cigarro e vou pigarreando a cada inspiração. Fecho meu olhos mais uma vez e me vem uma voz estranha. Não é uma voz, é uma idéia. Não sei se me aconselha a ajudar ou pedir ajuda. É confuso. Eu me lembro das palavras que ouvi antes de começar a correr, mas me lembro com falhas... Não posso mais entender.

O diabo brinca com a gente. Ele é mais inteligente que Deus. Sabe o que faz e onde quer chegar. Vai ver eu sou mais amiga dele mesmo, não gosto de insensatez.

Fecho os olhos de novo, jogo o cigarro fora, não quero fumar o filtro.
Vejo um homem moreno com olhos grandes e ingênuos. Ele pega na mão da criança que logo solta um sorriso. O homem é o diabo e a criança sou eu...
Nós estamos brincando e me invade uma vontade imensa de correr de novo, mas não para fugir, para viver...

Algo não me deixa ir embora, me faltam forças. Mas eu me levanto. Olho para os lados.
Decidida, saio de trás do muro onde estava, atravesso a rua, ando para o lado contrário, começo a voltar. Pé ante pé. Respirando fundo, um suspiro aliviado. Começo a sentir força nos braços, nas pernas, na mente.
Não quero mais cigarro, não lembro mais da criança. Quero voltar lá e encarar tudo com a força que sei que há em mim.

É...O diabo brinca com a gente... Faz o que ele quer.
Eu não me importo, gosto de suas brincadeiras. Quero brincar mais um pouco.

Minha roupa ficou com cheiro de cachorro molhado, talvez houvesse algum cachorro próximo, mas eu não me importo. Nunca vou esquecer daquela noite. Quantos anos se deve ter para passar um pesadelo real?

Sinto falta de minhas pernas, de meus braços. Quando havia energia e força, e tonos. E eu tomava para mim tudo o que queria e eu conquistava e eu lutava... E eu conseguia.
Hoje luto, mas nunca dou meu melhor. Já não conquisto mais, somente luto uma partida mal feita.

Mas o diabo brinca, com quem mais ele brinca?

Um comentário:

  1. O diabo sempre brinca... as torcidas estão, muuitas vezes, mais do lado dos bandidos q dos mocinhos. Ironia?

    ResponderExcluir

Pesquisar este blog