
E eu, como sempre, vivendo e tendo cada vez mais certeza de que não chego aos pés do mundo no qual vivo...
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Basta que eu saia do escritório todos os dias no mesmo horário e veja na calçada um violino tocando um homem. Moço, não passa de vinte e cinco anos. Quando me dou conta estou parando e mudando o trajeto do futuro, para observar com mais clareza aquele som que o toca.
E o som se mistura com os motores que aceleram as pessoas na Avenida Paulista. Motores velhos, novos, gritantes. Algumas buzinas e outras frenagens. Todos se sentem cansados e em uma sexta-feira a noite, o trânsito fica caótico. É só mais uma sexta feira a noite.
Na sexta feira a noite, na calçada da Paulista, quando sai do escritório, o som do violino que tocava e os motores que aceleravam, se misturavam às vozes juvenis que contavam casos, que contavam fatos. E aos barulhos de celulares, e aos fones de ouvido que nos distraem.
Eu com meu fone de ouvido na sexta-feira a noite pude ouvir todos os sons que me cercavam. Até pude ouvir o rádio da polícia que fica na guarita do metrô Trianon - Masp nas sextas-feiras, durante a noite. Via rostos cansados e desfiles de toque-toques" no chão. Sempre as mesmas pessoas com pernas cansadas e lutando por um banco no metrô. Um velho ou outro tem vergonha de pedir o que lhe pertence por lei, nunca quer incomodar. Enquanto outros se fingem de mortos, dormem em um instante. Mas é só mais uma sexta-feira e ainda está de noite!
Segu viagem como sempre observando tudo...Com meu fone de ouvido, mas guardando ainda o som do violino e dos motores, o que formava uma espécie de quadro surrealista na linha azul do metrô.
Cheguei na estação da luz e voltei a ler meu livro mesmo com fone de ouvido. E só percebi depois de uma página e meia...Ai que fui tirar. Antes disso, um trem chegou. Estava na frente, já na faixa amarela. Esperei que todos saíssem e fui logo entrando e metendo novamente os olhos no livro, quando senti que algo estava estranho. Olhei para trás e o trem estava vazio. Ninguém havia entrado. Tremi. Vi um movimento na porta e quando olhei era a tiazinha que cuida da plataforma, me avisando que aquele trem ficaria na garagem.
E eu quase fico presa no trem que vai para a garagem numa sexta-feira à noite com os sons do violino, dos motores, das vozes juvenis, do meu fone de ouvido e do fone de ouvido dos outros, o sombrio apito do vento quando o metrô parte. Talvez algum dos M&Ms ou amendoins também...
Mas seria adorável descansar dentro do trem todo o tempo do final de semana!
E eu ouço até agora o discurso:
"Dê uma ajuda ao ceguinho. É muito difícil viver na escuridão. Deus abençoe os olhos de cada um de vocês. E Deus abençoe a viagem de vocês. Pouco para Deus é muito e muito sem Deus não é nada. Você senhora, senhorita, senhor. Deus abençoe o seu trabalho, os seus estudos, a sua viagem. Dê uma ajuda ao ceguinho!"
Gostei do teu jeito de perceber as coisas. Magnífico.
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